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Hugo Studart lança site e diz que na internet todo jornalista pode se transformar num "hacker do bem"

Um dos precursores da internet no país, o jornalista Hugo Studart acaba de lançar uma espécie de YouTube do jornalismo: um site de conteúdos informativos gerados pelos próprios usuários, sem interferência de terceiros. Com o slogan "Publique aqui a versão do autor, sem cortes!", o jornalismo.com.br pretende estimular os profissionais de comunicação a publicarem seus trabalhos na web sem qualquer espécie de censura ou manipulação dos editores.

O jornalista é categórico em afirmar que é preciso aceitar que a Era de distribuir informações no modelo papel está chegando ao fim. "Há 50 milhões de usuários na internet brasileira, dez vezes mais do que a soma da tiragem de todos os jornais. É claro que o formato de conteúdos em papel sempre existirá. Mas daqui para frente a distribuição digital será hegemônica e o formato papel será complementar às novas mídias", diz Studart.

Com passagens por veículos como Jornal do Brasil, O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo, revistas Veja, Manchete, IstoÉ-Dinheiro e IstoÉ, Studart também lançou o livro "A Lei da Selva", sobre a guerrilha do Araguaia, e afirma que o controle da mídia hoje, apesar de ser diferente do existente no período da didatura, ainda é muito duro: "Está ficando muito pesado para as empresas jornalísticas e para os jornalistas se manterem em pé, diante de tantos processos. Os incomodados, os denunciados pela imprensa, encontraram uma nova forma de censura, a indireta. Eles passaram a recorrer aos tribunais, tudo vai para a Justiça".

Redação Portal IMPRENSA - Ao criar esse espaço, em que o jornalista escolhe o que faz, você pensou numa demanda reprimida de jornalistas que se sentem censurados?
Hugo Studart - O site foi criado especialmente para que o jornalista publique o conteúdo do seu jeito, sem a interferência da por vezes mão-pesada do editor. O futuro está na Web 2.0, cujos conteúdos são publicados pelos próprios usuários. Estávamos elaborando um dos projetos da editora Conteúdo Digital, o site biblioteca.com.br, dentro do conceito da Web 2.0, quando pedi à equipe para inverter as prioridades e testar o modelo junto à comunidade mais exigente de toda dentre os produtores de conteúdo, os jornalistas. Pedi algo bem mais robusto do que esses blogs criados para publicar notas curtas. O jornalismo é muito mais do que isso, não se resume a post curtos. É também reportagens, artigos, entrevistas, matérias longas, enormes.

Portal IMPRENSA - Mas os textos curtos se adaptam melhor ao veículo computador.
Studart - É uma meia verdade. As imagens é que se adaptam muito bem. Já o texto é melhor de ser lido no velho papel. Só que internet é uma grande biblioteca, dá para disponibilizar tudo, na íntegra, a baixo custo. Discutindo os conceitos do site com meu mestre Tão Gomes Pinto, ele disse: "O jornalismo não é só notícias rápidas; tenho centenas de matérias que gostaria de republicar, que continuam atuais. Vocês precisam fazer um site para que os jornalistas não tenham mais motivo de reclamar dos editores". Foi daí que saiu a sacada do slogan: "Publique aqui a versão do autor, sem cortes!". Aí alguém da equipe perguntou:"E os fotógrafos?". Adaptamos também para eles, depois para os assessores, para os professores, agora vamos criar grupos, pensando nos estudantes, que gostam de criar suas redes sociais. Estamos conseguindo chegar a uma plataforma em tempo real livre e 100% democrática, onde todos terão direito à origem, réplica, tréplica e assim por diante.

Portal IMPRENSA - E como foi a fundação da editora Conteúdo Digital?
Studart - Assim que saí da IstoÉ, o Sérgio Cabral, fundador do Idea Valley, me convidou para ser parceiro de um novo empreendimento, a editora que lançaria novos conceitos de distribuição de conteúdos. A proposta, instigante, me atraiu, é claro.

Portal IMPRENSA - O que mudou no jornalismo desde que você começou?
Studart - A internet é o veículo da grande revolução, está mudando quase tudo, a começar pela forma de apuração do jornalismo. Desde a explosão do Google, quase todas as informações produzidas pela humanidade se encontram disponíveis no ciberespaço. Um exemplo concreto ocorreu agora, quando foi ao ar site jornalismo.com.br. Mandei uns e-mails para os amigos pedindo que se cadastrassem no site para testar. Uma autoridade federal, fonte antiga, então me respondeu com uma ótima dica sobre o Luis Favre, marido da Marta Suplicy. Contou que ele seria o titular de contas secretas nas Ilhas Cayman, para onde iriam a arrecadação do caixa 2 do PT num esquema da coleta do lixo superfaturada em grandes capitais. Deu as dicas, número das contas e ainda disse que eu encontraria todos os detalhes da história na internet. Até o número das contas. Estava tudo disperso, bastava eu apurar com paciência. Era verdade, até os números das contas estão de fato na internet. Publiquei a história e a matéria teve excelente repercussão. Moral da história: uma boa apuração pode transformar o jornalista num hacker do bem.

Portal IMPRENSA - E já é possível ganhar dinheiro com internet?
Studart - Fica todo mundo falando do futuro digital, mas o futuro já chegou, aliás, virou passado. Há 50 milhões de usuários na internet brasileira, dez vezes mais do que a soma da tiragem de todos os jornais. Ano passado, nos Estados Unidos, o volume de publicidade na web superou o dos jornais. A gente tem que aceitar que está chegando ao fim a Era de distribuir informações no modelo papel. É claro que o formato de conteúdos em papel sempre existirá. Mas daqui para frente a distribuição digital será hegemônica e o formato papel será complementar às novas mídias, a um jornalismo mais tempo real, mais dinâmico. Os grandes grupos de comunicação atravessam momentos de transição entre as estruturas familiares e as estruturas profissionalizadas. Acredito num modelo onde o conteúdo seja independente do meio, origem e destino.

Portal IMPRENSA - Fale um pouco de seu livro "A Lei da Selva". Você foi muito criticado pelas esquerdas por ter dado voz aos militares sobre a versão deles da guerrilha do Araguaia?
Studart - Fui e ainda estou sendo muito criticado pelo PC do B e também pelos militares, pelo fato de o livro ter detalhado a barbárie recíproca em detalhes. Revela como os militares decapitaram guerrilheiros e executaram prisioneiros. E derruba também a versão do PC do B de que a guerrilha teria sido um cenário de combates heróicos dos baluartes da democracia contra os satãs fardados da tirania. Revela que os guerrilheiros também executaram camponeses, até esquartejaram vivo um adolescente, fatiado na frente da família. O tempo passou e os ânimos baixaram. A esquerda foi a primeira a aceitar o livro. Agora são os militares que também começam a aceitar a obra. Recentemente o Comando do Exército distribuiu o livro para todas as bibliotecas das instituições militares. E fui convidado para dar uma palestra no Comando do Exército. O auditório foi fechado, só entraram generais e coronéis. O general Ademar, que me convidou, disse: "Pode falar à vontade que eu só deixei entrar aqui o pessoal com maturidade ideológica".

Portal IMPRENSA - Você vê algum novo tipo de controle sobre a mídia hoje, da mesma forma que a ditadura tentava fazer há trinta anos?
Studart - Sim, mas é bem diferente. Falta autonomia. Há a dependência dos governos e dos grandes anunciantes. Mas até aí não há nenhuma novidade, sempre foi assim. A novidade é depois da Constituinte de 1988, que garante em seu artigo 5º a liberdade total de expressão. Como vivemos no século anti-mordaça, os incomodados, os denunciados pela imprensa, encontraram uma nova forma de censura, a indireta. Eles passaram a recorrer aos tribunais, tudo vai para a justiça. Qualquer notícia que incomode, ao invés de ir a público esclarecer aos cidadãos, as autoridades e denunciados, em especial as que têm culpa no cartório, passaram a processar o jornalista por calúnia, injúria e difamação e colocam o jornalista como réu da sociedade, em ações indenizatórias milionárias. Aliás, sacam três balas: tentam colocar o jornalista no xadrez, ajuízam direito de resposta insustentáveis e, ainda, tentam arrancar faraônicas indenizações. Se é direito do denunciado ir a justiça, os jornalistas também têm que ter seu direito de informar preservado. Uma imprensa amordaçada é o sonho de qualquer ditador, mesmo que se alegue democrático. Está ficando muito pesado para as empresas jornalísticas e para os jornalistas se manterem em pé, diante de tantos processos. Hoje, os processos judiciais engessam a justiça com pedidos cada vez mais caros e estes fomentam a cruel indústria das indenizações. É um direito-dever do jornalista prestar informação e é um direito da sociedade ser informada. E nós, profissionais da imprensa, somos os intermediários do exercício desse direito fundamental. Sem a informação, a sociedade ficará doente.

Portal IMPRENSA - Conte um pouco de sua carreira e suas passagens em grandes redações que mais te marcaram.
Studart - Já passei por muitos lugares e tenho uma boa parte da vida dedicada ao dia-a-dia nas redações. Mas destaco três passagens que me marcaram. A primeira delas foi a Veja, o veículo onde mais aprendi e o qual mais amei trabalhar na minha vida. Fiquei lá quatro anos, naquela virada dos 30 anos, e ganhei muitos prêmios. A maior parte do que sei aprendi com três chefes, pela ordem o Guzzo, o Gaspari e o Paulo Moreira Leite. Outra passagem essencial foi pela internet. Minha carreira foi quase toda como repórter investigativo, por isso poucos sabem que sou um dos precursores da internet no País. Minha monografia na Universidade foi sobre novas tecnologias de comunicação. Meu primeiro emprego foi como repórter setorista de Informática, no Jornal do Brasil. É minha a primeira matéria sobre a internet, ainda em 1985, no JB. Quando surgiu o primeiro boom da internet, em 1998 fui trabalhar como diretor de conteúdo da Rede Ômega, que foi também a pioneira no mundo de acesso em banda larga sem fio. A passagem mais recente foi na Editora Três. Eu era chefe da sucursal da IstoÉ-Dinheiro em Brasília,depois ocupei o cargo de diretor da Editora Três, escalado pelo Domingo Alzugaray para pacificar as sucursais e montar novas equipes. Eu fazia um pouco do institucional da editora e muito do editorial da revista. Foram seis anos de muito sangue, suor e lágrimas, ali, todo dia na batalha, buscando furos. Na IstoÉ também fazia uma coluna de notas muito polêmica. Mas acho que meu melhor legado foi a equipe que montei e deixei lá. Quando completei 60 semanas no cargo de diretor, fiz as contas e descobri que nosso time havia emplacado nada menos que 29 capas. Coloquei as capas em molduras e fiz um paredão de quadros para que o time se lembrasse todos os dias do que era capaz de fazer.

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