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"Temas delicados? Não. Temas interessantes"

“Esses não são exatamente temas delicados. São, na verdade, temas que me interessam”, diz a autora da próxima novela do horário nobre da Rede Globo, “Caminho das Índias”, Glória Perez.


Este será mais um roteiro no vasto currículo de Glória a tratar de assuntos muitas vezes encarados como tabus. Acreana de Rio Branco, Glória Perez iniciou sua carreira quando, em 1983, a já consagrada escritora Janete Clair leu seu script para a série “Malu Mulher”, que não chegou a ser gravada, e acreditou no talento da jovem escritora. Alguns meses depois, Glória já era colaboradora da novela “Eu Prometo”, de Janete, que, antes de falecer neste mesmo ano, deixou a continuação dos capítulos sob sua total responsabilidade. Muito pontual na entrega dos roteiros, a jovem impressionou a direção da emissora com a competência e qualidade de seus textos, que passavam pelo crivo do também autor Dias Gomes. Mesmo sem achar que levanta bandeiras com suas tramas, Glória acaba sendo alvo de críticas, ora positivas, ora negativas, sobre os delicados assuntos que propõem. Em “Carmem”, ela traduziu um pouco do universo dos soropositivos e desmistificou muita lenda sobre modo de contaminação da doença. Na novela “Barriga de Aluguel” e “Explode Coração”, a autora tratou com sensibilidade do dilema ético que envolve a maternidade e o transplante de órgãos. Já em “O Clone”, suscitou questões típicas dos dias de hoje, em que o homem se confronta com Deus e recria a vida. Em vias de voltar às telinhas com “Caminhos da Índia”, que ainda não tem previsão de estréia, Glória Perez não fugirá deste traço de sua carreira. Um dos personagens da trama, o Tarso (que será vivido pelo ator Bruno Gagliasso) sofre de esquizofrenia. O roteiro, então, promete uma inspeção nesse mundo que pouca gente se propõe a decifrar.

É sobre questões polêmicas como esta que Glória Perez responde à entrevista ao Famosidades. Confira!

FAMOSIDADES - Em suas novelas, ou minisséries, você sempre aborda temas delicados. Qual a motivação que encontra para isso?
GLÓRIA PEREZ - Temas delicados? Não. Esses são temas que me interessam. Seria muito chato escrever duzentos e tantos capítulos sobre um assunto que eu não gostasse.

FAMOSIDADES-Qual repercussão que suas tramas geram na sociedade?
GLÓRIA PEREZ-É boa, geralmente. Acho que quando não é boa, também é boa. É sinal de que está atingindo o público de alguma maneira.

FAMOSIDADES- Como você lida com os comentários, tanto os que vêm de outros diretores, quanto os do público que te assiste?
GLÓRIA PEREZ-Quando eu sinto que o público está lidando mal com o tipo de assunto, eu simplesmente conto de outra maneira.
FAMOSIDADES-E essas críticas acabam influenciando nas suas escolhas durante o processo de feitura dos roteiros ou você se mantém fiel ao que tinha imaginado?
GLÓRIA PEREZ-Se os espectadores compram a idéia, tudo bem. Mas se não compram, eu mudo a maneira de abordar a história e conto de outra maneira. Não mudo a trama em si, mas vou por ali, por aqui e vejo qual é a maneira mais eficaz de tocar esse público que me assiste.

FAMOSIDADES-Assim com a Janete Clair te abriu portas no início da sua carreira ao acreditar no seu texto, você também dá apoio a novos autores? Alguém trabalha diretamente com você? Há debates de escolhas?
GLÓRIA PEREZ-Hoje não trabalha ninguém comigo, sou eu escrevendo sozinha. Mas assim como a Janete, eu também pretendo deixar a alguém o meu legado.
FAMOSIDADES-Há algum fato marcante na sua vida pessoal que te inspire a trazer à tona esses assuntos?
GLÓRIA PEREZ-Fato marcante, não. O que existe é uma profunda curiosidade que eu tenho e sempre tive em relação a esses ditos “assuntos delicados”. Meu foco de interesses sempre foi virado para o lado dos assuntos que a maioria não queria ver.
FAMOSIDADES-O que os protagonistas das suas novelas têm em comum? Por exemplo, a Dara, de “Explode Coração”, com a Sol, de “América”?
GLÓRIA PEREZ-Nada de forma proposital. A única coisa que eu posso ressaltar é o fato de as duas serem mulheres fortes, determinadas e desmedidas na maneira como vão em busca do que querem.

FAMOSIDADES-Quanto tempo de pesquisa de campo até você se sentir segura para levar uma trama adiante?
GLÓRIA PEREZ-Não existe um tempo “determinado por mim”. Existe um tempo que “me é dado” para começar a entregar a história, os resumos e os capítulos. Então, eu uso o quanto posso dele para me dedicar a pesquisas sobre o universo no qual estou adentrando.

FAMOSIDADES-Qual a colaboração que os atores te dão em relação aos personagens que vão interpretar? E quais são seus critérios de escolha do elenco?
GLÓRIA PEREZ-Eles dão toda a colaboração. São eles que vão fazer nascer o personagem, emprestar o corpo, a voz, os sentimentos. E o critério é simples: o ajuste que cada ator tem em relação ao que vê descrito como personagem.

FAMOSIDADES-Você costuma acompanhar as filmagens? Dá opinião sobre elas ou deixa isso sob total responsabilidade da equipe de direção?

GLÓRIA PEREZ-A minha parte eu faço, que é a de entregar pontualmente os capítulos para não atrasar a etapa seguinte, a de estudo dos atores. A equipe de direção fica totalmente encarregada de colocar no ar a minha idéia. Se por acaso não foi aquilo que eu havia imaginado a princípio, tudo bem. Isso mostra que o diretor teve uma outra visão. O que é muito importante dentro de um trabalho como esse que é feito em conjunto, fruto do esforço de uma equipe inteira.

FAMOSIDADES-Qual é o cerne da trama de “Caminho das Índias”? Qual será o papel do “Tarso”, personagem de Bruno Gagliasso que sofrerá de esquizofrenia, ante a sociedade?
GLÓRIA PEREZ-O Tarso vai dar voz a uma gente que nunca teve força de expressão, pelo menos não na televisão. Eu quero, com a novela, levantar a bola para esse lado da vida dos deficientes mentais. Você acha que assim como você, todo artista é um formador de opinião e deve usar de sua imagem para propagar campanhas na mídia? Eu nunca quis fazer merchandising nos meus temas. Primeira vez que me pus a defender uma causa social foi na novela “Carmem”, de 1987, da extinta TV Manchete. A personagem principal havia sido contaminada com o vírus HIV e desenvolvido a doença. Pensei que seria importante fazer o público enxergar de uma outra maneira as vítimas da AIDS. Para me auxiliar, contei expressivamente com a figura do Betinho (o sociólogo Herbert de Souza, portador do vírus HIV adquirido em uma das transfusões de sangue que fazia por ser homofílico). A imagem dele desmistificou as idéias de que AIDS é coisa de grupo de risco, ou seja, homossexual ou drogado, e de que se deve evitar contato com os contaminados. E o ator tem que ter, sim, consciência do que ele representa à sociedade.
Fonte:Famosidades

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